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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A transposição do Velho Chico

O curioso é que, da forma como a questão é colocada, num contexto um tanto inconseqüente, pois nos dá a nítida impressão da magnitude dos custos do projeto, tanto os financeiros como os imputados ao meio ambiente, parece-nos que as pessoas perderam o censo crítico de analisar as coisas. É como se houvesse a proposta para a realização de um projeto de esfriamento das águas do Pacífico para minimizar os efeitos do El Niño, "laçando-se" um iceberg da Antártica e rebocando-o até o local do esquentamento, para amenizar a temperatura daquele pedaço do Oceano Pacífico que tem tanta importância para a vida dos nordestinos. No nosso modo de entender a comparação tem a mesma magnitude.

Figura 1: Construção da calha artificial.

Figura 2: Calha construída.

A questão tem que ser tratada em bases mais científicas ao invés de decisões simplórias e descabidas, do tipo "vamos fazer, que depois os problemas surgidos serão resolvidos". Só que, dessa forma, os problemas podem não ter o remédio esperado e, mesmo que surjam algumas alternativas de solução, essas poderão ser inviáveis dado o custo elevado.
No nosso modo de entender, alguns pontos têm que ser levados em consideração quando o assunto é transposição das águas: o primeiro, diz respeito à intensa evapotranspiração que existe no Nordeste semi-árido, que chega a alcançar patamares médios da ordem de 2000 mm anuais. Isso é um dado espantoso, se imaginarmos uma lâmina de 2 metros de água a céu aberto, em leitos naturais conforme o explicitado no projeto, perdendo-se anualmente para a atmosfera sem o mínimo uso, numa região de déficit hídrico, onde a média pluviométrica gira em torno dos 600 mm anuais. O segundo, diz respeito ao consumo de energia para recalcar o volume de água pretendido. De acordo com os dados do projeto, a energia necessária para esse fim é equivalente àquela gerada em Sobradinho (1050 MW), ou seja, precisa-se ter uma Sobradinho inteira, funcionando 24 hs por dia, para manter o sistema operando satisfatoriamente, numa região em que estão previstos problemas de geração de energia elétrica já no ano 2000. O terceiro, e talvez o mais importante, diz respeito à garantia de vazão do rio que assegure a geração de energia elétrica e a irrigação em suas áreas potenciais. O São Francisco é um rio que, no Nordeste semi-árido, corre inteiramente sobre o embasamento cristalino e, em decorrência disso, todos os seus afluentes têm regime temporário. Este aspecto traz, como conseqüência, uma diminuição gradativa de sua vazão ao longo do ano, dada a diminuição e até a interrupção das vazões dos afluentes que fazem parte de sua bacia, agravada ainda, pelo uso consuntivo das águas na irrigação (águas utilizadas que não têm retorno ao rio).
Justamente na tentativa de solucionar o problema de vazão do rio, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF construiu a represa de Sobradinho que manteve, de certa forma, a vazão do rio em patamares adequados para a geração de energia no complexo de Paulo Afonso. Mesmo assim, dadas as secas periódicas que assolam a região, a referida represa tem operado, com certa freqüência, em níveis críticos, chegando a voltarem à tona as ruínas da cidade de Remanso no Estado da Bahia, que ficou submersa com a construção dessa represa e que foi reconstruída em uma cota mais alta, longe das águas. Ora, se a antiga Remanso volta a aparecer no período de seca, isso nos leva a crer que o leito do rio praticamente volta a ser o que era antes de ser represado e que as águas, antes acumuladas para resolver os problemas de geração de eletricidade e de irrigação, não atendem mais àquelas finalidades.
Com relação a esse ponto, no final do ano passado (1996) assistimos, na mídia televisiva, a uma entrevista do Presidente da CHESF em que este se mostrava preocupado com a diminuição da vazão do rio, chegando a comentar que a bacia do São Francisco estava no seu segundo ano de seca e que não poderia entrar no terceiro, sob pena de haver racionamento de energia elétrica. Nesse período, segundo informações colhidas por engenheiros da CHESF, a represa de Sobradinho estava com um volume acumulado de água de apenas 13% de sua capacidade. Imaginem os senhores leitores se, uma vez instalado esse quadro de penúria hídrica, tivéssemos ainda que subtrair mais água do rio para atender ao abastecimento do Nordeste. Simplesmente não iríamos ter água suficiente para tudo isso (geração, irrigação e abastecimento). Ficamos até a imaginar as manchetes dos principais jornais nordestinos: "CHESF entra na justiça para assegurar geração de energia no Nordeste", ou mesmo, "O Rio São Francisco agoniza".
Diante do exposto, esperamos que as autoridades reflitam melhor sobre a transposição do Rio São Francisco, agregando a ela a questão do gerenciamento regional integrado dos recursos ambientais, aí incluindo o uso coerente de suas águas, como fator fundamental do desenvolvimento da Região Nordeste. Para que isso se realize, é importante que sejam ouvidos todos os segmentos da sociedade, que precisam ser estimulados para apoiar essas ações, e conhecer quais são suas prioridades e como estas se inserem num plano de conjunto que se desdobra ao longo do tempo.

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